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Seção I
O PENSAMENTO ECONÔMICO DA GRÉCIA
§ 1.º - Os fatos econômicos
Do século XII ao VIII antes da nossa era, conheceu a Grécia, tão-somente, uma vida econômica doméstica. Mas, após essa época, chamada "homérica", no período clássico do século V e, mais ainda, na era helênica dos séculos IV e III a.C., observa-se o desenvolvimento de uma vida econômica propriamente dita, ou seja, de
uma vida econômica de trocas.
Os estrangeiros e os libertos são, então, os agentes mais ativos dessa economia estimulada pelas imensas conquistas que abrem à Grécia ricos e novos mercados.
Aliás, o comércio e a navegação se impõem aos gregos:
- a pobreza do solo, a exigüidade do território e o excesso de sua população tornam o comércio necessário;
- o mar, com seus numerosos golfos e baías, estava a indicar aos gregos o largo caminho dos longínquos mercados.
Reunia, portanto, a Grécia antiga os principais elementos de um meio econômico. E o normal seria encontrar-se aí, dada a influência do meio ambiente sobre as idéias, um pensamento econômico igualmente florescente. Contudo tal não se deu.
Existem apenas, esparsas nos tratados de filosofia, algumas idéias econômicas fragmentárias. Não há obra de Economia Política nos moldes, por exemplo, dos tratados de mecânica ou geometria da época; se alguns autores tratam do problema econômico, fazem-no de maneira acidental.
Contrastando com a pujança e o brilho característico do pensamento grego em geral, quer em filosofia quer em ética e política, as idéias econômicas, enfezadas e incompletas, mal chegam a revestir uma forma precisa.
§ 2.º - As idéias econômicas
Essa ausência de um pensamento econõmico independente se explica pelo predomínio da filosofia. A filosofia imprime, então, uma orientação geral ao pensamento, e impede o estudo independente e profundo dos problemas econômicos pelas seguintes razões principais:
- idéia de preponderância do geral sobre o particular;
- idéia de igualdade;
- idéias de desprezo da riqueza
1. A Grécia se divide em cidades independentes, sempre em guerra umas com as outras. A cidade constitui, portanto, a principal ocupação, à vista da permanente ameaça à sua liberdade.
O sacrifício do indivíduo à cidade é a regra. Os problemas de bem-estar individual se subordinam aos de segurança e prosperidade gerais.
2. outra idéia filosófica predominante e absorvente é a de igualdade.
Nesste país, onde os meios de existência são limitados, parece impossível que alguém possa enriquecer senão à custa das perdas de outrem. A exigüidade dos recursos naturais suscita problemas de ordem econômica que terão repercussão no pensamento filosófico.
De fato, a igualdade, em seu aspecto ético, domina todas as manifestações teóricas e práticas do espírito grego. E, com razão, pode-se falar da igualdade como o "eterno tormento da Grécia".
A preocupação igualitária preponderava também na esfera econômica. Nada mais evidente que a influência por ela exercida sobre a política demográfica da época. Todas as medidas tomadas nesse campo tendem a assegurar uma população alegre e estável, estática. Malthus irá também, mais de vinte séculos depois, procurar os meios de limitar e estabilizar o volume populacional. A finalidade do economista inglês era, todavia, econômica - manter certa proporção entre os meios de subsistência e a população - ao passo que a dos gregos era precipuamente de ordem ética.
O Estado ideal dos gregos deveria compor-se do determinado número de habitantes, a ser este mantido estável. São condições que parecem favoráveis à manutenção da boa ordem política. Platão fixa em 5040 o número de cidadãos gregos de uma cidade - seja uma população de 50000 habitantes, se acrescentarmos mulheres e escravos.
Encontra-se esta idéia de igualdade em todos os campos; as terras devem ser divididas em partes iguais. É imbuído desse espírito que decreta Phaléias, da Calcedônia, a obrigatoriedade de casamentos entre pobres e ricos.
A preocupação econômica é, pois, eclipsada pela filosófica. Platão, por exemplo, estuda a divisão do trabalho, chegando mesmo a considerar com muita sutileza a sua necessidade e suas vantagens. Indica, entretanto, não ser isto possível senão havendo uma população densa. Mas, ao invés de concluir pela necessidade de estimular o crescimento da população, prefere privar-se das vantagens de uma produção dividida a se sujeitar aos inconvenientes que, segundo ele, por certo adviriam de uma população numericamente importante.
3. A atitude filosófica conduz, enfim, ao desprezo da riqueza. Eis como o exprime Platão: "O ouro e a virtude são coo dois pesos colocados nos pratos de uma balança, de tal modo que um não pode subir sem que desça o outro."
A felicidade reside na virtude; a riqueza é um obstáculo à felicidade; logo, deve-se desistir de obtê-la.
A preocupação essencial do homem deve ser a vida da alma; vêm em seguida os cuidados com o corpo e, em último lugar, com a riqueza. "O homem é só alma - escreveu Xenofonte - ou nada é." "A vida verdadeira começa com a morte", afirma Platão. Esse desprezo pela matéria, das riquezas, constitui um emecilho para se dedicarem os homens livres às atividades econômicas.
O caráter político desta economia da "Cidade-Estado", na Grécia clássicam leva o cidadão a dar seu sangue à cidade durante a guerra e dedicar-lhe seu tempo durante a paz. Os negócios públicos reclamam-lhe a atenção, em primeiro lugar e acima de tudo; os negócios privados vêm em segundo plano. E de tal modo absorventes são os deveres do cidadão que pouco tempo lhes deixam para se dedicarem a atividades econômicas. A maior parte dessas é relegada aos escravos enquanto a comercial é privativa dos estrangeiros. A posse do ouro e da prata é também vetada ao cidadão grego; vedados igualmente os empréstimos a juros. A propriedade de cada cidadão se limita, no máximo, a quatro lotes de terra; e se por acaso, em virtude de uma herança, exceder esse limite, ao Estado caberá o excesso.
Por esses exemplos pode-se ver que o pensamento filosófico grego, dada a sua expressão social, igualitarista e desinteressada, tornou impossível a elaboração geral e sistemática do pensamento econômico. E particularmente em virtude desse desprezo pelos bens materiais teve o pensamento dos filósofos como conseqüência impedir o desenvolvimento da riqueza: nesse sentido é essencialmente antieconômico.
Todavia, da ausência de um pensamento econômico geral e sistemático, não devemos concluir faltassem de todo à Grécia antiga idéias econômicas. Nos principais tratados de filosofia se encontram esparsos os primeiros elementos das grandes doutrinas econômicas, ou seja, os germes das correntes individualista, socialista, intervencionista, cuja evolução acompanharemos, através dos tempos, até nossa era. Daí ser interessante indicar aqui os seus aspectos pricipais.
1. Distingue-se, em primeir lugar, uma corrende individualista. Surge como reação ao meio ambiente: caracteriza-a o fato de contrapor à razão de Estado a razão individual. Formula-se então, o problema do direito das pessoas em relação ao da cidade. As vantagens da produção servil são postas em dúvida; contesta-se o desprezo da riqueza e há uma primeira tentativa de reabilitação do trabalho.
Na realidade, trata-se de uma corrente cuja influência foi secundária. Compreende escritores da segunda ordem, dos séculos V e VI a.C., os sofistas Hípias, Protágoras e outros. Em virtude de combaterem as medidas intervencionistas e conceberem uma economia no plano cosmopolita, esses sofistas se aproximam, por assim dizer, dos economistas do século XVIII, fisiocratas e clássicos, que também se opunham - então com sucesso - ao intervencionismo generalizado na época.
2. Observa-se em segundo lugar, uma importante corrente socialista, cujo principal representante é Platão(427-347 a.C.).
Este socialismo assume aspectos diferentes nas duas grandes obras do autor: "República" e "Leis":
Na "República" expõe Platão um socialismo bem diferente do das "Leis" e descreve o Estado ideal. A idéia geral consiste na implantação de um Estado onde reine a justiça e no qual possa o cidadão consagrar o máximo de seu tempo aos estudos filosóficos e à atividade política. Com este objetivo em mira, a parte reservada à Economia deve limitar-se ao mínimo necessário.
Platão descreve minuciosamente o plano dessa sociedade desejável. Compõe-se de gerreiros, magistrados e trabalhadores manuais. Guerreiros e magistrados - os verdadeiros homens livres - são os senhores da cidade; e também seus servidores, pois direitos e deveres devem estar subordinados so princípio de igualdade. Esses homens livres estão sujeitos a um regime de comunismo absoluto: comunismo de mulheres, de filhos e de bens. O princípio do desprezo à riqueza encontra aqui sua aplicação: o comunismo de bens põe-no em evidência; o de pessoas assegura-lhe a continuidade. De fato, seria construir obra provisória suprimir-se a propriedade sem destruir a família: "seria destruir a árvore deixando-lhe a raiz".
O trabalhador manual é excluído dessa organização comunista: a propriedade privada lhe é concedida desdenhosamente. Comerciante e artesão só merecem o desprezo de Platão; em contraposição o abricultor é objeto de certa consideração.
Nas "Leis" expõe Platão um socialismo diferente e bem mais moderado. Não se trata aí de um projeto ideal e utópico, mas de um programa suscetível de realização imediata a fim de melhorar o Estado ateniense de sua época. A finalidade é a mesma, isto é, estabelecer mais justiça e organizar a sociedade de modo que possibilite os meios de moderar o homem os seus desejos materiais e, assim, ficar livre para dedicar-se aos cuidados do espírito. Trata-se ainda de colocar o Estado em primeiro plano, garantindo-lhe o poder econômico através da solidariedade dos indivíduos. Daí resulta um regime autoritário, regime de transição, a fim de preparar o sistema ideal do futuro.
Os meios preconizados são, contudo, diferentes. O problema já não é o comunismo, e, sim, mais modestamente, o "apropriacionismo" ou participacionismo(partagistem). O programa se refere, particularmente, às vantagens resultantes da partilha das terras em pequenos lotes iguais: cada homem se tornaria proprietário de um deles, a título privado.
Justo é reconhecer que, na "República", de Platão, se encontram expressas, de modo geral, as primeiras tendências da corrente socialista, cuja evolução, até atingir suas formas atuais, jamais sofreu, através dos séculos, solução de continuidade.
Aliás, é necessário frisar, desde já, que o socialismo concebido por Platão na sua "República" - socialismo idealista e aristocrático - se diferencia de maneira profunda das formas modernas revestidas por essa doutrina.
O comunismo de Platão é uma doutrina de renúncia: busca uma fórmula intermedíária de limitar as aspirações, enquanto o socialismo contemporâneo procura soluções que permitam alcançar o máximo de satisfação. O comunismo de Platão concebe a transformação da sociedade segundo uma concepção da moral e não em função de uma necessidade história; este o ponto de vista "utópico" para a doutrina marxista e que, por conseguinte, os separa.
O comunismo de Platão é reservado às classes dirigentes superiores, ao escol da sociedade. Os beneficiários serão os guerreiros e os magistrados e não a classe trabalhadora. Não se trata de ditadura do proletariado, mas do domínio de uma elite. Eis aó outro traço que o distingue do socialismo atual.
3. Em terceiro lugar, encontra-se, no pensamento grego, uma corrente intervencionista, representada por diversos pensadores, dentre os quais Aristóteles(384-322 a.C.) é o mais importante.
Este, em sua "Política", faz severa crítica ao comunismo de Platão. Os argumentos aí desenvolvidos se tornaram clássicos.
Se o comunismo fosse o regime melhor - diz ele - há muito ter-se-ia realizado. Insiste na oposição existente entre o comunismo, de um lado, e a propriedade e a família, de outro. E tão arraigadas estão estas duas últimas instituições na psicologia humana que impossível parece extirpá-las.
Adversário de Platão, no que concerne à organização comunista da sociedade, Aristóteles dele se aproxima pelo desprezo que vota à liberdade individual e à propriedade privada.
É, também, partidário da supremacia do Estado e, de certo modo, do igualitarismo. Na sua teoria sobre a população, recomenda medidas intervencionistas severas de limitação da reprodução, a fim de manter a estabilidade demográfica. Nesse, como em muitos outros campos, dá ao Estado preponderâncio sobre o indivíduo.
As medidas preconizadas por aristóteles são menos absolutas que as de Platão; seu intervencionismo é mais realista que o comunismo deste.
Na Grécia antiga se encontra, pois, o germe das três grandes correntes: individualista. socialista e intervencionista.
A doutrina individualista, que não é propriamente uma doutrina, mas um conjunto compreendendo aspectos muito diversos e interessantes de idéias liberais aplicadas à Economia; em contraposição à primeira, a doutrina comunista de Platão, que reage energicamente contra o espírito capitalista do liberalismo e do individualismo econômico, na medida em que este espírito contraria a filosofia da justiça; finalmente, a doutrina intervencionista, sob a forma de intervencionismo do Estado, Eis aí onde termina a evolução de Platão nas suas "Leis". Eis aí também o essencial do pensamento econômico de Aristóteles.
Por mais interessante que seja, esse pensamento doutrinário fornece somente elementos fragmentários e incompletos para a formação do pensamento econômico que se beneficiará - sempre a propósito de problemas filosóficos ligados à vida política - de idéias interessantes sobre questões econômicas e, sobretudo, a respeito de questões monetárias.
§ 3.º - Os fatos e as idéias monetárias
1. OS FATOS MONETÁRIOS
Em geral concorda-se em fixar o aparecimento, na Grécia, da moeda metálica "cunhada" entre os séculos VIII e VII a.C.
É a época em que, sob a influência da expansão geográfica, e Economia grega se volta para o mar. É a extraordinária epopéia da colonização, levada a efeito de norte a sul pelo gregos da Ásia e no Ocidente pelos gregos do Continente. Esta colonização representa, na Antiguidade, uma revolução econômica cujo objetivo é em primeiro lugar comercial - encontrar produtos e mercados - e, em segundo, agrícola - adquirir terras.
A moeda é o instrumento necessário a essa expansão econômica.
Não se trata de um aparecimento "ex-nihilo", mas do resultado de longa evolução econômica. Já existia de há muito a moeda-mercadoria. A época homérica conheceu, entre outras, o gado como moeda corrente. Na sua "Política", relata Aristóteles como, pouco a pouco, a intensificação das trocas concorreu para a intervenção da moeda propriamente dita.
Havia uma grande variedade de moedas gregas:
- variedade, primeiro, em relação ao metal de que era constituída. Roscher diz ter servido o ferro como matéria-prima das primeiras moedas, depois, os metais preciosos - ouro e prata - simultaneamente com o chumbo, o cobre e o bronze, foram utilizados para esse fim;
- variedade, também, em relação à aparência: embora a unidade monetária fosse a dracna, as peças de moeda traziam os mais diferentes cunhos. O conhecimento desses cunhos é muitas vezes de grande utilidade para a compreensão dos textos da época. Reproduziam muitos deles a figura de uma coruja: O Professor Gonard refere-se a uma passagem dos "Oiseaux", de Aristófanes, na qual este fala de "corujas que fizeram seus ninhos nos bolsos". Trazem ainda a figura de outros animais e, muitas vezes, efígies;
- variedade, enfim, no que se refere ao valor das peças. O Estado grego submete a moeda a constantes alterações. E a falsificação privada da moeda, mais freqüente ainda do que a pública, irá multiplicar essas alterações.
2. IDÉIAS MONETÁRIAS
Tal variedade monetária, bem como as trocas existentes entre as cidades gregas e entre estas e o estrangeiro, consituíam fatos que permitiram aos contemporâneos certo número de observações sobre a matéria. Donde serem as obras escritas, na época, sobre a moeda, mais numerosas e interessantes do que as referentes a outros problemas econômicos.
Aliás, conforme se pode verificar pela história das doutrinas, as idéias monetárias são, muitas vezes, mais adiantadas que as demais idéias econômicas. Isso parece estar a indicar, no que concerne à moeda, ser muito nítida a influência da arte sobre a ciência.
Aristóteles, na sua "Política", faz o histórico da moeda e mostrar ter tido a sua invenção por fim obviar as dificuldades da troca direta. A troca por meio de moeda, operação abstrata, suprime os inconvenientes da permuta ou troca direta, ato concreto.
Tomando, assim, por base na aparição da moeda, estabeleceu Aristóteles sua fundamental distinção entre as duas economias sucessivas:
- a crematística natural, economia doméstica, a qual julga boa e necessária;
- e a crematística não natural, economia mercantil, censurável por levar o homem a auferir da troca um provendo, o que é contrário à "natureza".
Ora, a crematística não natural, de Aristóteles, consiste na troca por intermédio de moeda, ou seja, na troca tendo em vista não apenas as necessidades pessoais, mas também a revenda. E no livro I, cap. IV, § 2.º, da "Política", examina Aristóteles, para condená-los, os três processos dessa crematística não natural, a saber: o lucro comercial, o lucro usuário(o juro) e o lucro industrial.
Essas idéias de Aristóteles, baseadas na aparição da moeda na vida econômica, profunda e durável influência exerceram sobre as doutrinas econômicas da Idade Média e outras doutrinas mais recentes:
- os fisiocratas, no século XVIII, delas se servirão para distinguir o comércio de tráfico;
- Carey as retomará no século XIX, conferindo-lhes uma posição fundamental em suas teorias;
- Karl Marx usará a distinção aristotélica e, na sua "Crítica da Economia Política", de 1859, examinará separadamente a "economia simples e a economia capitalista"; e tal distinção ocupará lugar de destaque em sua obra;
- modernamente, no século XX. falará Charles Bodin, acompanhando a distinção aristotélica, em "economia simples" e "economia derivada".
Há ainda, em Aristóteles, uma observação bastante precisa relativamente às diversas funções da moeda: indica servir esta, a um tempo, de intermediária das trocas, de instrumento de comparação de valores e de reserva de valor. Essa enumeração será posteriormente mantida: Galliani, Hutcheson e Adam Smith retomá-la-ão no século XVIII. Conserva ainda hoje a mesma importância, não podendo, pois, ser omitida.
Mas, tanto Aristóteles, como os socráticos, focalizaram também uma segunda questão monetária do mais alto interesse doutrinário: depende o valor da moeda do metal precioso que a constitui ou provém ele da autoridade que a põe em circulação?
Parece haverem os socráticos, conscientemente ou não, examinado o que de essencial existe nas teorias monetárias metalista e nominalista.
Xenofonte, na "Economia" e no "Tratado dos Rendimentos", vê no metal precioso, de que é feita a moeda, a essência do seu valor. Essa idéia metalista persistirá: vamos encontrá-la de novo principalmente em "Les considérations sur la monnaie"(1777), de Daguessau. Turgot, nas suas "Refléxions sur la formation et la distribution des rechesses", assim se exprimirá: "Ouro e prata são duas mercadorias como quaisquer outras". Os marxistas far-se-ão adeptos de tal maneira de ver para justificar a teoria do valor-trabalho.
Platão, em contraposição, dá ênfase ao aspecto nominal do valor da moeda. Nas "Leis" insiste na moeda-sinal. Seria, contudo, exagero crer que na concepção de Platão se filia, de modo refletido e cientfico, a uma tese nominalista. Razões outras há que podem explicar sua preferência:
- vivendo numa época em que a onipotência do Estado é um dogma incontestado, só isso bastaria para justificar estatismo monetário;
- mas, além disso, passou a Grécia, no século V, por rápidas transformações econômicas. O brusco desenvolvimento da riqueza mobiliária é acompanhado de um desequilíbrio social que atemoriza os filósofos. Segundo alguns, caberia à moeda a responsabilidade dessas transformações. O metal precioso parece ser o agente corruptor; o remédio deve, portanto, estar naturalmente na moeda-sinal, simples símbolo. Isso leva Platão a olhar a "Idade de Ouro" como a feliz era do banimento do ouro nas trocas. Todavia, dada a impossibilidade de conceber o seu experimentado espírito, a supressão do metal nos pagamentos ao exterior prevê um duplo sistema monetário: utilização da moeda fiduciária, para uso interno, e conservação da plena vigência da moeda-metal-precioso, para o uso externo.
Vê-se, pois, ter sido Platão partidário, como as reservas acima indicadas, de uma teoria monetária nominalista.
Estas idéias serão retomadas pelos adeptos da teoria regalista medieval e constituirão a teoria mais geralmente em voga, mesmo em nossos dias, servindo de justificação às inúmeras mutações, inflações e desvalorizações por que tem a moeda passado no decurso dos séculos.
Essas mesmas idéias são na atualidade retomadas e levadas ao extremo por F. Knapp.
Aristóteles, na sua "Política" e na "Ética do Nicômaco", não se define claramente, oscilando entre uma e outra dessas concepções. Alguns, como Roscher, por exemplo, julgam-no partidário do valor nominal da moeda. A posição de Aristóteles seria, entretanto, menos nítida que a de Platão, pois, em certas passagens de suas obras, acentua também o fato de haverem os homens escolhido a moeda dentre as coisas para eles dotadas de certo valor. A esse valor intrínseco do metal precioso acrescenta o costume, senão a lei, outro elemento de valor.
É possível admitir haver Aristóteles observado essas duas espécies de valor que se superpõem na moeda, constituindo, assim, as suas idéias uma síntese das duas opiniões contrárias, de Xenofonte e de Platão.
Sem insistir muito nesta questão, que suscitou inúmeras discussões doutrinárias, observaremos haverem exercido as idéias de Aristóteles grande influência tanto pela parte de verdade que encerram quanto pelos seus erros, pois desempenham estes, muitas vezes, um papel, útil, conforme tivemos oportunidade de dizer.
Além dos socráticos, inúmeros autores gregos fizeram também observações muito exatas relativamente aos fenômenos monetários. Aristófanes, entre outros, em uma das suas comédias, "As Rãs", pôs habilmente em evidência o fato de preferirem os habitantes de Atenas, segundo parecia, as peças monetárias más e boas. Indicou, assim, os efeitos de uma lei econômica, formulada no século XIV por Nicole Orèsme, à qual, no século XIV, ligará o seu nome o grande financista inglês, Sir Thomas Gresham.
Em resumo, as idéias monetárias dos gregos se apresentam sob forma muito mais desenvolvida e preciosa que as idéias econômicas propriamente ditas.
Entretanto, os juízos emitidos a respeito da moeda não escapam à influência filosófica da época: a filosofia leva os espíritos, mesmo de quantos, com mais argúcia, percebem o papel da moeda, ao desprezo dos metais preciosos, e isso por ser conveniente, de um lado, procurar reduzir as trocas e, de outro, suprimir no homem o gosto do luxo, que a posse dos metais preciosos jamais deixou de acarretar.
O pensamento grego, econômico e monetário permanece, assim, subordinado ao filosófico.
Seção II
A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO ECONÔMICO ENTRE OS ROMANOS
O pensamento econômico romano está subordinado não mais à filosofia, mas à política.
Encontraremos de novo, na Roma antiga, o paradoxo da ausência de um pensamento econômico geral e independente, a despeito da existência de uma vida econômica.
§ 1.º - Os fatos econômicos
O meio econômico é mais intenso que na Grécia.
Trata-se de um enorme império cuja unidade econômica tem por sólidos alicerces as admiráveis vias de comunicações: a Itália é cortada, em todos os sentidos, por estradas em excelentes condições e, no período imperial, essa rede rodoviária se estende por todas as províncias, expandindo-se ao redor dos grandes centros.
O estabelecimento da Pax Romana foi um dos fatores mais favoráveis à expansão das trocas: a navegação do Mediterrâneo é, no decurso desse período, próspera e segura. Roma torna-se grande mercado para onde afluem os produtos de todas as províncias. As transações são particularmente ativas, assistindo-se, então, à criação de poderosas companhias mercantis e sociedades or ações.
Mas essa atividade econômica não gera qualquer pensamento doutrinario interessante.
Enquanto, entre os gregos, a explicação deste fenômeno estava na filosofia do desprezo à riqueza, vamos encontrá-la, entre os romanos, no espírito político preponderante em todas as suas atividades.
A missão histórica da Roma antiga foi militar e política. Aí reinou imperativamente o espírito de dominação. A riqueza constituía apenas um meio de assegurar esse domínio, nunca uma promessa de bem-estar.
As grandiosas realizações da época - quer se tratasse de estradas, de aquedutos, enfim, de magníficos trabalhos de arte, de qualquer espécie - tinham sempre em vista o fim político, nunca o econômico: necessário era garantir, de forma rápida e segura, o transporte e o abastecimento das tropas; exercer, até aos pontos mais afastados do Império, vigilância e fiscalização.
O romano é consumidor, mas não quer ser produtor. Sem dúvida era próspera, a princípio, a agricultura romana; mas logo os lavradores indígenas, pequenos proprietários de suas terras, foram sendo substituídos por escravos, enquanto a pequena propriedade, de cultura intensiva, cedia o passo ao latifúndio, de cultura extensiva. Dentro em pouco passaram as artes e os ofícios industriais e o comércio a ser considerados atividades indignas de um homem livre: Roma faz com que as províncias, conquistadas e escravizadas, produzam e abasteçam-na do necessário ao seu consumo.
O pensamento romano concentra-se, pois, inteiramente no fato político. E além disso, se levarmos em conta a carência de originalidade especulativa de que padecem os romanos - suas idéias foram, de maneira geral, tomadas de empréstimo aos gregos -, compreender-se-á por que, a despeito de existir uma ativa economia de troca, nota-se, neste campo, a ausência de pesquisas teóricas sérias.
§ 2.º - As idéias econômicas
Nas obras dos teóricos romanos pode-se, contudo, perceber traçoes de duas tendências doutrinárias opostas: intervencionista, uma; individualista, a outra. A primeira exerceu acentuada influência sobre os acontecimentos econômicos da época; a segunda desempenhou um importante papel, mediato e indireto. sobre a evolução da história das doutrinas.
1. A TENDÊNCIA INTERVENCIONISTA
Esta tendência prepondera na antiguidade romana e se manifesta de modo característico na política chamada anonária.
A intervenção do Estado é provocada por dificuldades de abastecimento, que se tornaram agudas no ano 495 e, sobretudo, em 440; a lentidão dos transportes e um estado de guerra bastante prolongado são suas causas principais.
O Estado açambarca, então, o mercado dos cereais. Leis famosas organizaram essa intervenção que, de século para século, se torna mais estrita; Citemos, à guisa de exemplo:
- a lei Semprônia, de 123 a.C., encarregando o Estado da distribuição de cereais abaixo do preço de mercado;
- a lei Clódia, do ano 58a.C., reservando o benefício de tal distribuição aos indigentes;
- uma lei Aureliana, do ano 270 da nossa era, determinando que fosse feita a distribuição do pão diretamente pelo Estado.
Bem conhecidas são as desastrosas conseqüências dessa ampla intervenção:
- do ponto de vista das finanças públicas, concorreu para aumentar o déficit orçamentário;
- do ponto de vista social, encorajou a plebe à indolência e serviu de incentivo a inúmeras fraudes;
- do ponto de vista econômico, constituiu uma das causas mais prováveis da decadência da agricultura itálica e, sobretudo, acarretou a regulamentação total da economia romana.
Com efeito, a fim de assegurar o funcionamento dessa política anonária, foi o Estado obrigado a regulamentar a produção agrícola e a troca de produtos.
os regulamentos pulularam; nas regiões produtoras de cereais, como a Sicília, por exemplo, legislou o governo no sentido de impedir que vendessem os lavradores suas colheitas a outrem que não os compradores oficiais de Roma; a semeadura era controlada, a colheita fiscalizada e monopolizados os transportes. Sistema semelhante se encontrará de novo nos séculos XVI e XVII, na era mercantilista, sob o nome de pacto colonial. E, a partir do segundo terço do século XX, vamos observar a adoção de complicada política de regulamentação, não muito diferente do sistema anonário em alguns de seus aspectos.
Contra este abuso de regulamentação não se encontra, então, uma oposição doutrinária deliberada e firme. Mas, ante a decadência em que caíram, a um tempo, a agricultura, o povoamento do solo e os costumes, numerosos autores fizeram ouvir a sua voz de protesto. Exprimiu-se este, na maioria das vezes, sob a forma bucólica de hino, celebrando, no retorno à terra, o meio de se encontrar, de novo, a prosperidade material e o equipamento moral. Esses autores são agrupados sob a denominação geral de "scriptores de re rustica", incluindo-se entre eles particularmente: Catão("De re rustica"), Varrão("De agricultura"), Virgílo"principalmente as "Geórgicas") e Columella("De agricultura").
Esses escritores legaram-nos verdadeiros tratados agrícolas muitas vezes poéticos, sempre práticos, mas quase que inteiramente desprovidos de qualquer observação de ordem econômica propriamente dita.
Essas diferentes obras traduzem, sobretudo, a necessidade de retornar à terra, a qual tanto mais premente se torna quanto é fato se agravar a situação material e social. Poder-se-ia comparar esse estado de espírito ao que animará os fisiocratas franceses no século XVIII.
2. A TENDÊNCIA INDIVIDUALISTA
Esta tendência é representada pelos jurisconsultos romanos. Em seus notáveis trabalhos, que souberam desafiar os séculos, assentaram as sólidas bases do direito de propriedade privada e instituíram a sistemática do direito das obrigações.
Esses jurisconsultos, dotados de acurado senso econômico, lançaram, assim, os fundamentos essenciais do individualismo.
Sua influência doutrinária não se fará sentir imediatamente na economia política; será necessário que os sábios da renascença descubram os seus trabalhos para que, no século XVIII, e somente então, apoiando-se nessas bases romanas, se desenvolva o liberalismo através das escolas fisiocrática e clássica.
E, necessário fosse sistematizar a contribuição doutrinária da época romana à nossa disciplina, por certo dar-se-ia a preeminência à obra desses jurisconsultos, da mesma forma que a mereceu, na Grécia antiga, a concepção estatal de Platão.
Essas duas correntes antagônicas, emergidas do pensamento antigo, jamais deixarão de - ora uma, ora outra - fazer sentir a sua influência na evolução das doutrinas econômicas."